sábado, 28 de março de 2009

A MISSA DO GALO

Machado de Assis

Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.
- Mas, Senhor Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.
- Leio D. Inácia.
Tinha comigo um romance, os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.
- Ainda não foi? Perguntou ela.
- Não fui; parece que ainda não é meia-noite.
- Que paciência!
Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da a1cova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:
- Não! Qual? Acordei por acordar.
Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma coisa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa.
- Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.
- Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.
- Quando ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo.
- Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.
- Justamente: é muito bonito.
- Gosta de romances?
- Gosto.
- Já leu a Moreninha?
- Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.
- Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?
Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.
- Talvez esteja aborrecida, pensei eu.
E logo alto:
- D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...
- Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
- Já tenho feito isso.
- Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.
- Que velha o quê, D. Conceição?
Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou consertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.
- É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.
- Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. São João não digo, nem Santo Antônio...
Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muitos claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto que, também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:
- Mais baixo! Mamãe pode acordar.
E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me, e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:
- Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.
- Eu também sou assim.
- O quê? Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor.
Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.
- Há ocasiões em que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.
- Foi o que lhe aconteceu hoje.
- Não, não, atalhou ela.
Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegávamos novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:
- Mais baixo mais baixo...
Havia também umas pausas. Duas outras vezes pareceram-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.
- Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.
Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.
- São bonitos, disse eu.
- Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.
- De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.
- Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita coisa assim esquisita. Seja o que for não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.
A idéia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.
Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.
- Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.
Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O rumor único e escasso era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!"
- Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá que hão de ser horas; adeus.
- Já serão horas? Perguntei.
- Naturalmente.
- Missa do galo! Repetiram de fora, batendo.
-Vá, vá não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus; até amanhã.
E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.


Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis - Coleção Pretígio - Ediouro - s/d.

ANÁLISE:Lena Leal


A frase inicial já nos leva a ambiguidade: "Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta." Como entender, se nem mesmo o narrador entende? É a marca e a técnica que Machado usa em sua narrativa. Teremos sim que tentar elucidar o mistério da alma humana.

O enredo
Missa do galo é um conto de Machado de Assis, que não nos traz revelações surpreendentes, porém, como é próprio do autor, está carregado de reflexões do fundo da alma mostrando-nos as várias faces do comportamento humano. È um traço doce e melancólico sobre a relação homem mulher. Ele faz questão de mostrar o cenário e através dele nos envolve. Ele não faz questão de descrever as suas personagens e é uma característica do Naturalismo. Ele prefere descrever o lado psicológico delas e isso faz uma ruptura entre o que é real e o que é psicológico. É considerado moderno por justamente criar essa atmosfera de um flagrante do nosso dia-a-dia.

A estrutura
Toda a trama acontece na sala da frente, de uma casa mal assombrada, localizada na Rua do Senado, Rio de Janeiro. Havia uma mesa no centro da sala, algumas cadeiras, cortina na janela, um canapé e um espelho. Nas paredes, dois quadros completavam aquela atmosfera de cumplicidade entre Conceição e Nogueira.
O conto mostra o encontro e o tímido diálogo entre um jovem e uma senhora casados numa noite de Natal. Praticamente nada acontece entre os dois. Mas Machado parece dizer que, onde nada acontece, tudo pode acontecer e para que o percebamos, é preciso ler nas entrelinhas as marcas do desejo não explícito.
A complicação começa quando Conceição entra na sala onde Nogueira estava lendo um romance, fazendo hora e esperando pela meia-noite. O enredo segue descrevendo o inesperado encontro, numa noite de natal, entre um rapaz com dezesseis anos e uma mulher madura de trinta, que se mostrava camarada e compreensiva. Nogueira não acreditou na explicação e verificou que os olhos de Conceição "Não eram de pessoa que acabasse de dormir. Pareciam não ter ainda pegado sono".
O clímax da narrativa ocorre quando Conceição fica inquieta, andando de um lado para o outro e, quando se senta, cruza as pernas de uma maneira sensual, despertando a libido de Nogueira, que via em Conceição uma mulher “linda, lindíssima (...)”.
O desfecho, o encanto daquele momento termina quando o vizinho bate na janela, chamando Nogueira à Missa do Galo. Daquele dia em diante, nunca mais Nogueira conversou ou escreveu para Conceição. Restou-lhe somente a imagem do balanço do corpo de Conceição, enfiando-se pelo corredor, pisando mansinho, e sumindo de sua vida, deixando na lembrança de Nogueira, a incompreensão daquela “conversação” que teve com uma senhora, há muitos anos atrás.
O próprio narrador não consegue entender o que aconteceu naquela noite: "Há impressões dessa noite que me aparecem truncadas ou confusas", chegando até mesmo a mudar seus relatos a respeito de Conceição, que no início era somente simpática e se transforma em uma linda, belíssima mulher. Começamos a mudar nossas formas de enxergar também, somos conduzidos, levados pela narrativa. Seduzindo-nos sutilmente até chegar ao clímax seco, característica de Machado de Assis. As personagens se revelam e a sessão de análise chega ao fim. É o chamado que vem de fora: "Missa do Galo! – repetiram de fora batendo". É o momento de o nosso despertar, e o galo canta.

A linguagem
Machado usa um vocabulário e algumas construções sintáticas que às vezes parecem antigas, mas é a pura modernidade estilística.
As figuras presentes no texto
O autor nos mostra um lado pessimista e irônico a respeito do amor: “Mais baixo, a mamãe pode acordar.” “E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. [...] Afinal cansou; trocou de atitude e de lugar.Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo...” “O quê? Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor.”
Percebemos também a presença da metáfora: "é a mesma missa da roça e que todas as missas se parecem.",“...a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar.”

Foco narrativo
Conto narrado em primeira pessoa: “eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte e não queria perdê-la.” E uma conversa inesperada vai acontecendo misturando-se à sensualidade, que é marca nos contos de Machado.
Estilo literário
Naturalista, pois os romances naturalistas se destacam pela abordagem extremamente aberta do sexo e pelo uso da linguagem falada. O resultado é um diálogo vivo e extraordinariamente verdadeiro, que na época foi considerado até chocante de tão inovador. Ao ler uma obra naturalista, tem-se a impressão de estar lendo uma obra contemporânea, que acabou de ser escrita.

Tempo
O tempo enleia e passa por dimensões por assim dizer elásticas, pois temos a sensação de mergulharmos naqueles momentos eternos e as horas não passam e nem temos a vontade de deixa-las passar, pois nosso sentimento, nosso lado psicológico foi afetado, ficamos hipnotizados até o desfecho.

Análise das personagens
D. Conceição é a personagem que dá espaço à esta viagem ao psique humano. O narrador, seu Nogueira – naquela ocasião com seus 17 anos de idade, é um personagem que participa da história e dá pistas ao leitor sobre a noite de Natal que tanto o intrigou. D. Conceição é uma personagem que vai crescendo ao longo da narrativa e torna-se uma mulher envolvente, sedutora. O jovem cheio de vigor vai percebendo D. Conceição e nos retrata-a.
As feições de Conceição, não são reveladas, mas deixa pistas para que o leitor observe seus movimentos sutis, como descreve em certos trechos: “De vez em quanto passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos”. Em outra cena, a sensualidade de Conceição é latente quando o narrador observa que as mangas do roupão branco, que Conceição usava, não estavam abotoadas e deixava metade dos braços aos olhos de Nogueira.
Além do jovem Nogueira e Dona Conceição, outras personagens são citadas durante a narrativa; Dona Inácia, mãe de Conceição e duas escravas. Há ainda um vizinho, o qual era esperado pelo narrador, para juntos, irem à Missa do Galo.

O espaço
Descrevendo o perfil físico de Conceição, o narrador, através de seu olhar, abre as possibilidades de visualização de cenas e de leitura ao leitor, que vai desvendando, analisando a personagem principal, o ambiente, as situações, como se estivesse em um consultório de psicanálise. Tudo é elaborado para que aquele que lê não tenha pressa de encontrar o desfecho. A sala pouco iluminada, a conversa entre Nogueira e Conceição meio interrompida pelos silêncios que se formavam é o espaço adequado para que se reconstrua, pouco a pouco, o cenário realizado pela narrativa.
Pretensões do autor ao falar das conversas entre as personagens
Nosso interior é aguçado, nos envolvemos, mas a narrativa mostra a realidade social da época e o autor deixa claro quando fala da escravidão que é citada pelo narrador personagem: “A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas.” E as usa como figura de linguagem para mostrar a escravidão da mulher, submissas aos maridos, pois D. Conceição mesmo sendo traída pelo marido permanecia passiva aceita a “outra” que era tida pela sociedade como mulher avançada: “...mas afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.”
Há segundas intenções nas ações de D. Conceição. Percebemos que se sente perturbada e vai até a sala: “Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura.” “Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova.” “Tinha um ar de visão romântica, não disparatava com meu livro de aventuras.”
Nogueira também tem segundas intenções em suas palavras "Já disse que ela era boa, muito boa" usa o advérbio “bom” com dois significados diferentes.
As mulheres daquela época liam romances superficiais como é o caso de A moreninha, citado na obra, em que a mulher era apenas uma “sinhazinha”, dominada pelo pai.
A narrativa segue e naquela noite de Natal, a clima que envolve as personagens é sedutora e misteriosa.
São olhares que se fixam "... perto ficavam nossas caras" “... sem desviar de mim os grandes olhos espertos gestos.", é uma aproximação do outro, são as partes do corpo que se mostram sutilmente “... e eu vi-lhe metade dos braços muito claros, e menos magros..." é o toque "... pôs as mãos no meu ombro...”, são as sensações e percepções que se fazem sentir '... como se tivesse um arrepio de frio..." . Enfim, nada é revelado, os vazios vão se formando e mais uma vez o leitor participa da história, preenche-os vazios ou não: tudo dependerá de seu repertório, por isso é uma narrativa aberta.

Existem momentos em que parece que tudo irá ser revelado, mas não se consegue perceber nitidamente o que acontece, pois o conto passa-se no interior de nossa imaginação. E o interior do ser humano é inesperado.

2 comentários:

  1. Nossa eu li sobre este conto achei muito interessante eu e mais algumas pessoas estamos indo fazer um teatro sobre ele mais pelo visto foi so eu que gostei do livro..kkkk
    nenhuma mais gostou do conto....
    bjs

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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